25 de janeiro de 2011

O futuro das polícias

O sono da razão produz monstros. (Goya)

Introdução

Cabe ao policial ter um olhar clínico não apenas para as irregularidades como também para as falsas aparências, distanciando-se da visão equivocada de que quanto mais pobre maior a periculosidade.
O olhar policial deve estar atento aos paradoxos das megalópoles onde o médico está doente, o segurança se sente inseguro e o juiz sabe que comete injustiças. Nestes cenários, não são as pessoas que são desfavorecidas são suas condições.
Talvez um dos aprendizados mais ricos sugeridos pela obra de Michel Foucault seja o de buscar, no trabalho acadêmico, na pesquisa, na prática de pensar, não simplesmente assimilar idéias e coisas, mas buscar aquilo que nos permite separar-nos de nós mesmos.
Prever, projetar e prevenir são os verbos que se apossam de nossas vidas individualizadas como resultado da consciência que permanentemente lança pontes para
o amanhã e o depois-de-amanhã. Assistimos em quase todas as camadas sociais o gosto pelas novidades, da promoção fútil e do frívolo, o culto ao desenvolvimento pessoal e ao bem-estar, caracterizando uma ideologia individualista hedonista. Como diz Bauman, nossas relações tornam-se cada vez mais “flexíveis”, gerando níveis de insegurança sempre maiores.
Conforme editorial do jornal O Estado de S. Paulo, somos, em São Paulo, a Unidade Federativa que mais prende, condena e encarcera, no país. Nos últimos cinco anos, nossa população carcerária dobrou, passando de 67,6 mil para 143,3 mil presos. Só no primeiro semestre de 2006, ingressaram nas 144 unidades do sistema prisional paulista 4,8 mil presos, o equivalente a 800 por mês.
Conforme definiu o antropólogo e ex-secretário nacional de segurança pública Luiz Eduardo Soares: Nossas polícias são máquinas pesadas e lentas, nada inteligentes e criativas, que não valorizam seus policiais nem os preparam adequadamente; não planejam nem avaliam o que fazem; não aprendem com os erros porque não os identificam; não conhecem os problemas sobre os quais atuam (os policiais, individualmente, sabem muito; a polícia, como Instituição, nada sabe); não cultivam o respeito e a confiança da população; cada vez mais só
prendem em flagrante, porque pouco investigam; limitam-se a reagir depois que os crimes já ocorreram; cometem um número imenso de crimes, quando sua tarefa é evitá-los ou conduzir à Justiça os perpetradores. (SOARES,
2006:117). É a partir desta constatação que penso o futuro do aparelho policial que integro. Uma característica marcante do ponto de vista da segurança pública é a nossa restrição excessiva de liberdade para convivermos em espaços superpovoados como as grandes metrópoles. Um paradoxo do atual cenário faz com que os benefícios para os membros de determinado grupo social sejam responsáveis por barrar quaisquer outros indivíduos
de se inserirem nesse grupo.
O desencontro entre liberdade e segurança, ou seja, estar ou não em comunidade, com todos os bônus e ônus que isso acarreta, é visto como uma impossibilidade de
conciliação.
Do ponto de vista da segurança, que se relaciona diretamente com as normas jurídicas, por exemplo, chegamos ao ponto em que em alguns shoppings de São Paulo se permite o livre trânsito de cães, às vezes soltos e desacompanhados, embora a rejeição de muitos, todavia se priva com sanha especial o “ir e vir” de pessoas cuja aparência ou indumentária possa gerar suspeitas, ou seja, trata-se com extremo furor aqueles que se apresentam incompatíveis para um padrão pré-determinado.
Tem-se como palavras de ordem nos mais variados espaços públicos e privados os componentes do efêmero, da sedução e da diferenciação marginal, utilizando os termos caros ao filósofo Lipovetsky.
Formar profissionais de segurança para o novo cenário

O novo paradigma de formação indica que o profissional do início do século XXI deverá ser flexível; ser capaz e disposto a contribuir para a inovação; e ser criativo; ser capaz de lidar com incertezas; estar interessado e ser capaz de aprender ao longo da vida; ter adquirido sensibilidade social e aptidões para a comunicação; ser capaz de trabalhar em equipe; desejar assumir responsabilidades; tornar-se empreendedor; preparar-se para o mundo do trabalho internacionalizado por meio do conhecimento de diferentes culturas; ser versátil em aptidões multidisciplinares e ter noções de áreas do conhecimento que formam a base de várias habilidades profissionais, como tecnologias e informática. As competências destacadas exigem que os novos integrantes dos aparelhos policiais e das múltiplas e diversas forças de segurança devem ter clareza de que nossas comunidades tem se guiado pela escolha e pela espetacularidade. Todo direito penal, por exemplo, é insuprimivelmente ligado à ameaça, se a força está indissoluvelmente ligada ao poder, é preciso não esquecer que há um outro componente
do poder, também essencial, que de certa maneira  contrabalança a força. É aquilo que chamamos de autoridade. As demandas da atividade policial, hoje, exigem que o soldado tenha discernimento nas mais variadas e complexas situações, em razão de as novas tecnologias e a dinâmica da velocidade dos grandes centros urbanos fatos que exigem desenvoltura e outras competências para a tomada de decisões.
Estou mediador de um grupo de policiais militares que realiza mestrado e doutorado nas mais diversas áreas; pois, infelizmente, não temos um único Doutor, na ativa, em
qualquer área do conhecimento. Contamos 06 doutorandos dentre os 93 mil servidores. Diante do exposto nos perguntamos: indivíduos preocupados antes de tudo com a própria saúde e segurança, é o sinal da ascendência da barbárie sobre nossas sociedades? As conseqüências no cenário brasileiro têm gerado policiais militares que inconformados com os diagnósticos sombrios a respeito da profissão buscam e acreditam, com entusiasmo, que há caminhos seguros a serem trilhados, para nos afastarmos da barbárie reinante.
Nossas polícias são em última análise, concomitantemente, uma função social, uma organização jurídica e um sistema de ação cujo recurso essencial é a força. Ao se tentar compreender os acontecimentos no âmbito da segurança pública não podemos desconsiderar que vivemos a era das revoluções e a era das experimentações. A informática tenta substituir a capacidade de julgamento humano e a nova linguagem universal é a impaciência e o arbítrio.
A prioridade a relacionamentos em “redes”, as quais podem ser tecidas ou desmanchadas com igual facilidade e freqüentemente sem que isso envolva nenhum contato além do virtual, faz com que não saibamos mais manter laços a longo prazo, o que é crucial para boa parte das questões de segurança na modalidade pública ou privada.
Realizo pesquisas sobre o processo de formação de novos policiais, tentando conhecer e entender melhor tudo aquilo que não se pode explicar de fora.
Na trajetória dos novos policiais estes serão testados pela sedução de todos os totalitarismos, serão cercados por todas as tentativas de opressão. Eles só terão forças,
dentro de si, capazes de mantê-los dignos e íntegros, se, desde cedo, houver aprendido a recusarem a alienação e a conhecerem a força da liberdade.

A sensação de segurança

As instituições políticas tradicionais estão progressivamente incapacitadas de fornecer segurança a seus cidadãos, levando à polarização social e a um ambiente de incerteza que não favorece a articulação de uma ação coletiva, fazendo esvair o espaço de igualdade
dos cidadãos em torno das instituições públicas.
Segurança pública, portanto, conforme traz a Constituição Federal no art. 144: é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos; é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
A insuficiência de recursos, a imprevisibilidade dos problemas, a necessidade de ponderação entre interesses conflitantes obrigam os policiais a serem criteriosos na
aplicação da lei e inovadores na busca de métodos alternativos de intervenção, fatores que cobram um outro modelo de formação.
Historicamente nossas Universidades marcam-se pelo descaso acadêmico em relação ao estudo de políticas de segurança pública, analisar a interessante explicação de Bayley sobre a constante falha do meio acadêmico em lidar com a polícia nos ajuda a compreender o processo de formação que se tem.
O impacto sobre a vida de indivíduos e comunidades, exercido por um policial militar é, pois, sempre um impacto extremado e simbolicamente referencial para o bem ou para o mal-estar da sociedade brasileira.
Isso passa não apenas por maiores exigências acadêmicas, inseridas nos concursos públicos, mas, especialmente, por uma revitalização do papel das instituições internas de ensino, com revisões dos currículos, sob a ótica dos “conteúdos significativos”, com o
repensar das metodologias, com o incremento de didáticas e pedagogias menos verticalistas e mais participativas.
Quanto mais apelos à igualdade e à universalização da aplicação das regras do convívio social, próprios da democracia, mais conflitos potenciais virão à tona na sociedade, portanto, não consciente de sua missão constitucional, cada vez mais a polícia e os demais aparelhos de estado reforçarão e produzirão exclusão social.
De qualquer forma, o zelo pelo respeito e a decência dos quadros policiais não cabe apenas ao Estado, mas aos próprios policiais, os maiores interessados em participarem de instituições livres de vícios, valorizadas socialmente e detentoras de credibilidade.
Fico com o ensinamento esclarecido de Bobbio, quando afirma que recriminar a malvadeza dos governantes quando as instituições não são boas é, no mínimo, tão
absurdo quanto esperar que os governantes se tornem providencialmente sábios, sem que as más instituições sejam removidas.
Assim como os jornalistas precisam escrever para os leitores, e não para os seus colegas, nós, policiais militares devemos falar para o grande público e não apenas aos
magistrados, legisladores e aos ocupantes temporários de cargos eletivos no executivo.
Foucault, que faleceu em 1984, dizia que chega-se a um momento na vida em que “a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber
diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir”.
Analisar os dados do sistema prisional nos ajuda a melhor compreender as questões contemporâneas de segurança pública, que atinge mais diretamente os oprimidos de que
fala Paulo Freire, ou seja, sabemos que de cada 10 mil paulistas, 35 estão presos. A taxa é alta para o Brasil, mas ainda pode crescer muito – a norte-americana, por exemplo, supera 65, segundo o jornal Folha de S. Paulo, dados de junho de 2006.

Considerações finais

Sobre o futuro da Polícia Militar, penso que está chegando a hora de tomarmos o remédio amargo. Um conjunto crescente de profissionais percebe que nosso modelo urge
ser reformulado, todo o sistema passa por significativas mudanças, e não cônscios desta realidade daremos maior vigor ao descrito pelo antropólogo Luiz Eduardo Soares, no
início deste ensaio.
Se de forma percuciente a sociedade civil, os governos e as demais instituições ligadas ao tema, unirem-se de fato, temos todos os mecanismos para revertermos este quadro,
que deixou e vem deixando extensas cicatrizes e “hematomas psicológicos” de difícil compreensão.
Cabe também à Universidade pressionar vigorosa e insistentemente as instituições e os órgãos de segurança, para que proponham respostas mais efetivas, preferencialmente, no menor prazo possível. O novo cenário, é que, de fato, ou todos temos segurança ou ninguém terá. Sabemos que outros desafios correm em silêncio, mas que cedo ou tarde cobrará sua hora, por
exemplo: Temos condições, do ponto de vista da segurança pública, de realizar uma copa do
mundo no Brasil em 2014? O que precisa ser feito para melhor atendermos uma comunidade com grandes números de idosos, como teremos mais fortemente a partir de 2010? Como o aparelho policial atuará nas delicadas questões de direitos autorais, consumo de drogas e outros delitos pela rede internet? Como faremos para integrar, de forma menos traumática, as mulheres nos batalhões de
polícia, haja vista as corretas e pertinentes demandas para que o contingente de mulheres seja ampliado, e não limitado de forma disfarçada como ocorre hoje?
Teremos portadores de necessidades especiais em nossos quadros? Alguns policiais devem ter aulas de LIBRAS? (Língua Brasileira de Sinais).
No atual cenário, só se fala de proteção, segurança, defesa das ‘conquistas sociais’,urgência humanitária, preservação do planeta. Em resumo, de ‘limitar os estragos’.
Insisto, pesquiso, estudo e trabalho para que os novos policiais saiam das escolas de formação sabendo que a polícia deve dar prioridade máxima à prestação de serviço aos cidadãos, não aos governantes; a polícia deve ser responsabilizada perante a lei em toda e qualquer circunstância; a polícia deve proteger os direitos humanos e a polícia deve ser transparente nas suas atividades.
Alguns, por certo, dirão que é pouco realizarmos pós-graduação para melhor atuarmos e respondermos aos prementes desafios. Fico com as palavras do prof. dr. Antonio Chizzotti, filósofo da PUC/SP “para as searas sensíveis valem o encanto das lutas, o valor dos confrontos e a importância dos consensos”.
O Estado mais que aparelho é um local de exercício de poder, que pode agregar ou desagregar, prover ou desamparar, todos aqueles que dele mais necessitam, portanto, os discursos de seus integrantes, que são servidores públicos, não devem produzir, ainda que indiretamente, mais exclusão social. As polícias são, a meu ver, o verdadeiro termômetro das democracias.
Enfim, a caminhada é longa, irregular, espinhosa e imprevisível – igual a tudo na vida.

Bibliografia:
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
______. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
BAYLEY, David H. Padrões de policiamento. São Paulo: Núcleo de Estudos da Violência/EDUSP, 2001.
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra,2000.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 6.ed. Petrópolis : Vozes, 1988.
LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Editora Barcarolla, 2004.
SOARES, Luiz Eduardo. Legalidade Libertária. Rio de Janeiro: Lúmen Júris Editora, 2006.

NOVAS ARMAS PARA A POLICIA

Ronilson de Souza Luiz - São Paulo(SP) - 14/08/2010
Segue artigo de opinião publicado, nesta data, 23 de julho, no jornal Folha de São Paulo, na página A3 – Tendências e Debates.
 Novas armas para a polícia
Livros, livros e mais livros. Desde 2002, um grupo de policiais militares de São Paulo tem alimentado a idéia de que o atendimento policial será melhorado na razão dos investimentos no processo de formação e especialização.
Cremos que a valorização profissional, e esse é o pensamento do atual comandante-geral, coronel PM Álvaro Camilo, deve ter espaço privilegiado nas políticas de segurança pública, visando a uma polícia profissionalmente correta, eticamente aceitável, socialmente justa e economicamente viável.
Há consenso de que o Direito não é o sustentáculo de nossos maiores desafios, razão pela qual congregamos, no grupo informal, policiais com interesses em educação, administração, psicologia, filosofia, ciência política, letras, sociologia, educação física e outras áreas do conhecimento.
Resumidamente, a PM tem hoje, na ativa, excetuando-se nossa memorável área de saúde (médicos, dentistas) cerca de 20 mestrandos acadêmicos, 122 mestrandos profissionais, 15 mestres, dois doutores, 12 doutorandos acadêmicos e 20 doutorandos em ciências policiais de segurança e ordem pública, todos com alguma experiência de docência dentro ou fora da Instituição.
O contingente que aposta na melhor formação individual para resultados coletivos estuda ou estudou em na USP, Unicamp, UNESP, PUC, Mackenzie, FGV, UFSCar, dentre outras instituições, que veem na parceria polícia e universidade um seguro caminho para dinamizar políticas públicas nesta área decisiva.
Podemos exemplificar pela capitã Tania Pinc, que passou os últimos 11 meses no Texas (EUA), realizando doutorado-sanduíche pelo Departamento de Ciência Política da USP e pesquisando exatamente um dos pontos nevrálgicos da atividade policial que é o uso da força. Nunca na história deste Estado um PM estudou no exterior percebendo todas as suas vantagens e garantias. Trata-se de conquista e avanço inquestionáveis do comando da instituição.
Proporcionalmente, já se percebe que os poucos desvios apurados têm ligação com a não-utilização dos procedimentos operacionais padrão (POP) e do método Giraldi de Preservação da Vida, permeados pelo princípio de respeito incondicional aos direitos humanos e a filosofia de polícia comunitária.
Destaco ainda a disciplina ações afirmativas e igualdade racial, que inclui questões da diversidade sexual, dos indígenas, dos afrodescendentes, dos moradores de rua, das populações andinas, dos idosos e outras temáticas contemporâneas.
Nossa arma, hoje, é trabalhar com inteligência em formação, o que redunda pensar em como contemplar no currículo as novas demandas da sociedade democrática.
A boa nova de todo este processo é que já se vislumbra, em âmbito nacional, a implantação do mestrado profissional em segurança pública, que foi debatido recentemente pelo MEC/Capes.
Enfim, como educador policial-militar tenho como visão de futuro o dia em que será rotina, quando um tenente ou sargento rondar suas equipes de trabalho, ter-se um diálogo que contemple a pergunta – Qual livro você está lendo?

Ronilson de Souza Luiz, capitão da PM, doutor em educação e docente no Centro de Altos Estudos de Segurança, profronilson@gmail.com

Sobre a poesia e o boxe

SOBRE A POESIA E O BOXE

Todos que se debruçam na tentativa de entender e explicar os momentos mágicos da vida encontrarão conforto na poesia. Para além e acima dos pós, pós-guerra, pós-crise, pós-maio/68, pós-atentados, pós isso e pós-aquilo; a poesia permanece.
Resta-nos entender o porquê ou para que? __Para que alguém, em certa e pequena faixa de terra, ar ou mar, a qualquer momento torça a curva da vida e a dirija para o improvável e o inesperado.
Explicar o porquê da poesia seria pedir que a existência entregasse à inteligência seus silêncios e mistérios. A pergunta ocorre para que os sujeitos, ao tentar respondê-la, fabriquem sonhos e realidades e deixem para as novas gerações o legado de seus estilos.
Poesia para que se cruzem os rios, os mares, atravessem os céus e cheguem ao próximo e mudem o rumo da história, para os que lêem e de quem escreve.
A poesia urge para que alguns poucos homens e mulheres se arrisquem a colocar a mão na roda da história e imprimir-lhe movimento diverso. A poesia existe para que possamos acreditar e acreditar é algo que requer coragem, força e, sobretudo, perseverança, que é amiga fiel da paciência. Acreditarmos que sempre é possível.
Quanto mais os tempos forem sombrios e incertos tanto mais os poetas e as poetisas devem lembrar que, Itaca, traduzido pelo falecido José Paulo Paes; não é apenas um nome de rua, na zona leste da capital Paulista.
Para que os soldados, e, modernamente, as mulheres em campo de batalha, no calor das trincheiras, nos horários de descanso ou de folga realizem sua essência humana e escrevam ou digitem mensagens para alguém que poderá ler ou não, não importa, o que está em jogo são as palavras, a escrita e a realização humana.
Nas palavras do escritor português José Saramago: dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos.
Poesia para que as futuras gerações entendam o que fizeram de suas vidas pessoas como Carlos Drummond de Andrade, Augusto dos Anjos e Cecília Meirelles.
Para que os sonetos não morram e para que a palavra amor continue sendo pronunciada, escrita e lida, interpretá-la nos escapa. Para que a letra de músicas como Canção da América, de Milton Nascimento, Mulheres de Atenas, de Chico Buarque e Para não dizer que não falei das flores de Geraldo Vandré, continuem sendo tocadas e cantadas não apenas em formaturas e solenidades, mas que ecoem nos silêncios de quem sonha.
Poesia para que antes que a luz se apegue, antes que o sol se ponha, todos saibam que haverá alguém de estar, haverá alguém de ficar, para que os outros venham, para que os outros fiquem. E saibam que a luz que levam para alguém ilumina-os também.
Para que se lembrem das palavras de Fernando Pessoa “segue os teus caminhos, regue as tuas plantas, ama as tuas rosas, o resto é a sombra de árvores alheias”.
Cada um de nós tem a sua vinha, que, sem que controlemos completamente, cresce sem parar, é desta vinha que saem as poesias, portanto, por nada e nunca devemos trocá-la, vendê-la, barganhá-la.
Poesia para que certas coisas não deixem de ter sentido por si só, penso em lareira entre amigos, sorvete à tarde na praça, lua nova, o mistério do amanhecer. Tudo isso para que o silêncio tenha significado, para que a solidão seja respeitada, para que os escritos permaneçam em nossos corações.
Para que o nome Julieta não perca sua força, para que Luisa me dê tua mão, para que continuemos comemorando centenários relembrando a vida daquele grande poeta, para que o pão e o vinho continuem tendo significado. Para que Homero não seja apenas mais um nome bonitinho. Enfim, para que daqui há 50 ou 100 anos um pai ou uma mãe, em especial o primeiro, saiba explicar porque o jogo de peteca, substituiu, nos jogos olímpicos, a luta de boxe.

Ronilson de Souza Luiz, 35, Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Doutorando e Mestre em Educação na PUC/SP, Bacharel e Licenciado em Letras pela USP, Orientador Pedagógico e Docente na Faculdade Sumaré e Instrutor no Centro de Formação de Soldados. Colaborador da Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares.
E-mail - profronilson@gmail.comRonilson de Souza Luiz Publicado no Recanto das Letras em 04/11/2006

Esta Redação é parte integrante do livro - Por que poesia em tempos de indigência?
Concurso realizado pelo jornal Folha Dirigida - concurso  para professor no ano de 2004.
Texto esse premiado na Academia Brasileira de Letras.