26 de janeiro de 2011

Ronilson, o tenente doutor

POLICIAIS PENSADORES DE SÃO PAULO



POLICIAIS PENSADORES DE SÃO PAULO
Texto produzido pela parceria portal Comunidade Segura e Fórum Brasileiro de Segurança Pública
Discutir e buscar uma formação mais humana para os policiais militares. Para isso, incentivar e articular a continuidade dos estudos dos profissionais da ativa por meio do acesso a cursos de pós-graduação. Por fim, a longo prazo, colaborar para transformar a Policia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) em uma instituição que tenha em seu efetivo profissionais especializados e que esses sejam portadores de opiniões e dados que a sociedade anseia em ouvir.
Estes são alguns dos objetivos do grupo PensadoresPM. Formado inicialmente por oito oficiais da corporação, o grupo promoveu seu primeiro encontro no dia 2 de fevereiro de 2002, na cidade de São Paulo (SP). “Reunimos pessoas que tinham a impressão de que a formação que os policiais recebiam não era suficiente, que havia a necessidade da realização de cursos de pós-graduação”, explica o tenente Ronilson de Souza (foto), que hoje serve no Centro de Aperfeiçoamento de Estudos Superiores, escola de pós-graduação da PM, e está há 18 anos na corporação.
Em 2002, Souza realizava seu mestrado em Educação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Lá, estudava o currículo de formação de soldados da PM frente às demandas democráticas. Hoje, ele é o único policial da PM paulista com doutorado, título que recebeu também na PUC-SP em 2008.
Da primeira reunião dos pensadores também participaram uma tenente, um tenente-coronel da reserva e outros seis oficiais da ativa. Todos eram educadores dos cursos de formação da corporação. “A ação nasceu de uma ebulição. Sempre conversávamos pontualmente. O grupo se formou para promover conversas entre livres-pensadores”, diz Souza.
Formação policial
Segundo o tenente, hoje, a PMESP, com 94 mil policiais, tem 20 mestrandos, 15 mestres, 8 doutorandos e um doutor, todos com alguma ligação com os PensadoresPM. Para ele, a contagem, principalmente de mestrandos, está subestimada. “Esses números referem-se a policiais que estudaram em instituições como Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Mackenzie, PUC e Fundação Getúlio Vargas (FGV). Com certeza, existem mais pesquisando em outras instituições”.
Além dessa ressalva, Souza lembra que logo não será mais o único policial do estado com o título de doutor. “O policial Raul Santo está para concluir o seu doutorado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)”. Santo está pesquisando a relação da aptidão física cardiorrespiratória com o nível de estresse de bombeiros militares de São Paulo e deve defender sua pesquisa até meados do ano que vem.
Mesmo com poucos mestres e doutores, Souza diz que a formação oferecida para os policiais vem melhorando. “Desde 2002, existe na corporação a preocupação em relação às características do novo ingresso. Todos participam dos cursos de formação, que são modernos e têm uma perspectiva mais humana. Quando ocorrem desvios, normalmente, observa-se que os policiais envolvidos não participaram desses cursos”, explica. Como exemplo da atualidade dos cursos, Souza lembra da disciplina Tutela Penal da Igualdade Racial, que inclui também a questão da diversidade sexual.
Apesar da perspectiva otimista, o tenente diz que ainda é preciso avançar mais para alcançar uma formação ainda mais humana. “Alcançar uma formação mais humana significa formar policiais com capacidade para a inovação, criatividade, sensibilidade social e aptidões para a comunicação, entre outras características, que, na verdade, são partes constitutivas dos profissionais do futuro”, explica.
Funcionamento
Para obter todos esses objetivos, o grupo se encontra a cada dois meses no Café Gerondino, no centro da capital paulista. No local, promovem discussões sobre diversas questões, sempre focando a formação dos policiais e buscando encontrar sugestões que melhorem a atuação da instituição. “Somos críticos de alguns pontos da PM, mas sempre buscamos saídas para que o trabalho melhore. Todos que participam do grupo têm amor e gosto pelo trabalho e pela instituição”, explica Souza.
Dentro dessa perspectiva, já foram discutidos temas como: qual será o papel da Polícia Militar durante a Copa do Brasil, que será realizada em 2014; qual a importância do policial conhecer a linguagem de sinais para atender satisfatoriamente às pessoas com deficiência; qual o melhor processo de encaminhar os policiais para a aposentadoria nos últimos anos de atuação.
Para o tenente doutor, um dos grandes méritos que o grupo tem conseguido alcançar é levar as discussões para o alto escalão da PM. “Temos até a perspectiva de um dos integrantes alcançar o posto de coronel”, lembra Souza.
Outro resultado positivo alcançado pelos PensadoresPM, para Souza, foi o compromisso dos integrantes que conseguiram ingressar em algum curso de pós-graduação de sempre colaborar para inserir outro policial quando a titulação for concluída. “Dentro dessa lógica, ninguém no grupo fala de estudar e sair da corporação. Lógico que isso é um direito da pessoa, mas todos enxergam a especialização como uma maneira de contribuir ainda mais com o trabalho da PM”, explica.
Nesse contexto, novos integrantes constantemente aparecem. “Se um policial deseja iniciar uma pós-graduação, começa a procurar e sempre acaba ouvindo sobre os PensadoresPM. Então, ele nos procura e buscamos colaborar”, diz Souza.
Segundo Souza, questões que aparecem esporadicamente na grande mídia e que atingem a imagem da PM também fazem parte das pautas de discussão do grupo. “Sempre o assunto é pensado na linha da formação. Como levar a questão para o currículo”, diz.
Consolidação
Mesmo com todas as conquistas, Souza coloca que o grupo necessita de uma maior consolidação. “Em 2009, provavelmente já teremos um curso de aperfeiçoamento de oficiais, um mestrado profissional, inserido na Escola de Pós-Graduação da PM”, explica.
Segundo o tenente, a linha de pesquisa do curso deverá seguir os temas Administração Policial, Saúde e Policiamento Ostensivo. Todos adotarão os padrões e orientações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e estão sendo estruturadas junto com universidades e acadêmicos paulistas.

Além do curso, Souza almeja, diante do crescimento do número de pesquisadores na corporação, aumentar a participação dos policiais no debate público. “Hoje, se fizermos um levantamento anual nos jornais O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo não encontraremos mais do que 10 artigos de integrantes da corporação, sendo que os dois veículos publicam, no mínimo, dois artigos de opinião por dia, o que somaria quase 1.500 textos no ano”, exemplifica.
O tenente Ronilson de Souza Luiz apresentou o projeto do PensadoresPM durante o Workshop da Rede Brasileira de Policiais e Sociedade Civil (RPS Brasil) que reuniu policiais de vários estados brasileiros, entre os dias 17 e 19 de setembro, no Rio de Janeiro.


Em 2010, segurança pública no Rio é marcada pelas UPPs
Fernanda Miranda e Isabela Sued - Do Portal
17/12/2010
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Igor Rocha
No campo da segurança pública no Rio de Janeiro, o ano de 2010 foi marcado pela ampliação do número de Unidades de Polícia Pacificadoras (UPP) e pelo conflito no Complexo do Alemão, que abalou a cidade. De um total de 13 UPPs, oito foram implantadas este ano.
O projeto das UPPs foi criado pela Secretaria Estadual de Segurança Pública do Rio de Janeiro, no ano de 2008, como uma política do governo Sérgio Cabral. A providência, no entanto, gera opiniões divergentes, pois apesar de muitos especialistas avaliarem bem o sistema, outros acreditam que a medida deve ser temporária.
A primeira UPP da cidade foi instalada em 2008 na favela Santa Marta, onde foi filmado o documentário produzido quase dez anos antes por João Moreira Salles e Kátia Lund, Notícias de uma guerra particular, sobre o cotidiano dos traficantes e dos moradores da região.
O capitão da PM do Rio de Janeiro Luiz Alexandre, por exemplo, acredita que essas unidades não são uma solução de longo prazo. Para ele, UPP, em princípio, é ocupação policial ou militar.
– É óbvio, e de entendimento mediano, que em qualquer local onde houver saturação de policiais haverá redução instantânea e elevada de criminalidade e a aberração ocorreria se não houvesse essa redução – afirmou.

Igor Rocha
 Igor Rocha
Luiz Alexandre acredita que as UPPs não podem ser eternas. Primeiro porque, segundo ele, funcionariam somente como meio repressor do Estado. E, segundo, porque não haveria efetivo, a médio e longo prazo, para que tais ocupações se mantivessem, bem como prosseguissem em outros locais.
O capitão afirma que as UPPs deveriam atuar como ocupação, simultaneamente com o melhor que o Estado pudesse prover em termos de cidadania. Melhores escolas públicas, melhores hospitais, escolas técnicas profissionalizantes e, finalmente, a transformação desses "guetos" em bairros de verdade, com ruas largas, saneamento, urbanização, proporcionando a efetivação da cidadania de seus moradores.
– A partir de todo esse contexto, após certamente alguns anos, a UPP seria substituída pelo policiamento normal. Isso quebraria com o paradigma de polícia repressiva de ocupação em locais pobres. Infelizmente, não é esse o projeto que vemos para as favelas ocupadas pelas UPPs – explicou.
O capitão completou afirmando que o governo na ocupação entra timidamente, sem ambições para o contexto social. Não se fala em transformações estruturais nesses locais, mas apenas “obras de enfeite”. Além disso, a promessa é que a ocupação seja permanente, o que tira o foco da "polícia para o cidadão" e volta ao paradigma clássico de "polícia de repressão", com o nome de comunitária.
Para o professor e também capitão da PM Ronilson de Souza Luiz, no entanto, as UPPs são um bom modelo de solução. Segundo ele, outras capitais já desenvolveram modalidades de policiamento na forma de UPPs e obtiveram excelentes resultados.
– De forma sintética temos pontos positivos e negativos. O desafio é encontrar o modelo flex que funcione bem para toda sociedade. É como um juiz que avalia a intensidade da pena. Se muito branda, não resolve, se excessiva, incita a vingança ­– afirmou.


Conflito urbano
As UPPs também estiveram no centro do último grande conflito envolvendo a polícia e traficantes no Rio de Janeiro, ocorrido no Complexo do Alemão no último mês de novembro. Durante uma semana, a cidade sofreu com ataques de violência nas ruas, assaltos, ônibus e carros queimados, escolas e comércio fechados e uma constante sensação de medo. Como medida de emergência, as Forças Armadas foram acionadas para tentar amenizar a situação.
No dia 28 de novembro a operação foi iniciada na comunidade do Complexo do Alemão. Blindados e helicópteros comandados por agentes ocuparam o local para lutar contra o tráfico.
A Marinha empregou mais de dez carros blindados para transporte de tropas, a maior parte deles sem pneus, sob lagartas, o que possibilitou o avanço mesmo nas piores situações. A Aeronáutica colocou à disposição três helicópteros blindados, dois de grande porte, conhecidos como superpumá, que são capazes de carregar até 16 homens armados ao mesmo tempo.
De acordo com o capitão da PM Ronilson de Souza Luiz, a presença das Forças Armadas na operação para ocupação do Complexo do Alemão foi necessária e perfeitamente constitucional.

Stéphanie Saramago
 Stéphanie Saramago
– São máquinas de guerra, sim, concordo. Contudo, eles sabem que o grande mérito das guerras modernas é a capacidade de flexibilização, ou seja, de atuar nos mais variados cenários – afirmou.
Por causa do grande número de homens empregados, a autorização teve que ser dada pelo próprio presidente da República. Além dos militares, 300 policiais federais vieram de outros estados e estão até hoje em ação no conjunto de favelas. Ao final dos ataques, o governador do Rio, Sérgio Cabral, fez um pedido formal ao Ministério da Defesa para que as Forças Armadas permanecessem no Complexo do Alemão até 2011.
Testemunha ocular
“O que eu vi foi desespero, o que eu vi foi medo”. O morador da Vila Cruzeiro e aluno do 5º período de Comunição Social, que preferiu não se identificar, esteve bem perto da batalha que durou cerca de uma semana no Morro do Alemão. Ele declarou que a situação era caótica e o cenário era quase “pós-apocalíptico”, com motos jogadas no chão, pessoas saindo de casa e roubando peças das motos, moradores desesperados etc.
– Foi uma loucura. Quem estava fora do Complexo tinha mais informação do que quem estava dentro, pois estávamos sem luz. Cheguei ao ponto de descobrir só no dia seguinte, por colegas da faculdade, que alguém foi preso a duas quadras de onde eu moro – contou o estudante.
Ele relatou também que, passado o momento de desordem, a situação tornou daquele local uma atração turística.
– As pessoas se juntavam para tirar foto com blindados, em cima de caminhões – contou.

Igor Rocha
 Igor Rocha
O morador, que pôde vivenciar uma boa parte desta guerra in loco, relatou que o momento mais marcante da batalha foi um dia antes da invasão, na sexta-feira à noite. Por volta das 22h, o estudante foi à Praça da Fazenda, local onde as pessoas costumavam se reunir no bairro. Ele viu cerca de 40 traficantes juntos e, entre eles, um menino de mais ou menos 16 anos.
– Ele estava agarrado numa AK47. Chorando. Como uma criança – contou o morador – Naquele dia, na Praça da Fazenda, o que eu vi foi desespero, o que eu vi foi medo.
Segundo o estudante, os bandidos, naquele momento, não tinham mais líderes.
– Muitos abandonaram a batalha, largaram suas armas em algum lugar, desesperados, e ficaram em casa enquanto a invasão ocorria – disse.
Ele contou também que os traficantes diziam que os policiais do Batalhão de Operações Especiais (o Bope) iam entrar e matar todo mundo, porque "a televisão não estava mais filmando". Ainda assim, diziam que iam morrer, mas pelo menos iam morrer "cumprindo o seu dever".
– Mas falavam isso com medo na voz, tremendo – relatou o estudante.
A respeito da segurança no local, o morador afirmou que houve uma melhoria. No entanto, acredita que é necessário fazer mais:
– Se o Estado não se fizer presente por meio de outros serviços que não a segurança pública, vai haver outro tipo de caos. Será o caos da descrença no Estado – lembrou.
Além disso, o morador disse que a ideia do “bandido romântico que defende a comunidade” já deixou de existir há muito tempo. Lembrou do caso "Orlando Jogador" do Comando Vermelho, que foi assassinado pelo líder criminoso Uê, do Terceiro Comando, a facção rival. Com a polêmica gerada pelo tumulto causado por esses comandos, muitos ainda tinham a ideia de Orlando Jogador como um herói da comunidade. Isso, segundo o estudante, foi caindo com o tempo.
– Esses meninos mais novos, na verdade, querem o poder – contou – Lembro que quando descia para comprar pão, os via sentados na frente da padaria com uma G3 e aquilo, para eles, era o ápice.
O aluno universitário diz que “era visto como idiota porque estudava e não tinha poder". Ele disse que transitava bem entre os traficantes porque os conhecia desde a infância.
– Ter o poder era ter aquele fuzil, mesmo que você não soubesse usar – avaliou. – Era um poder falso, que se desfez no ar, que estava saindo da favela, tentando chegar ao asfalto. Ali, se criou a ideia do controle do poder, anulando a ideia de proteção à comunidade.
Violência em números
O Complexo de Favelas do Alemão, no qual ocorreu a grande guerra urbana e onde é realizada a maior operação contra o narcotráfico da história do Rio de Janeiro, é um bairro com uma das piores médias do Índice de Desenvolvimento Social (IDS) da cidade.
Do total de 158 bairros do Rio, o Alemão ocupa a 149ª posição, com um IDS de 0,474 – quanto mais perto do número 1, melhor o índice. De acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado no ano 2000, 65.026 pessoas vivem nos 18.245 domicílios do complexo, que é formado por 14 favelas.

Igor Rocha
 Igor Rocha
Segundo o capitão da PM Luiz Alexandre, esses índices mostram um dos motivos pelos quais muitos entram na vida do crime.
– Não vejo o tráfico do Rio de Janeiro como crime organizado. São quadrilhas, compostas na maioria de analfabetos e miseráveis, estruturadas territorialmente, com poder financeiro e liberdade operacional. Para mim, crime organizado é o jogo do bicho e suas modalidades eletrônicas – afirmou.
Segundo estudo divulgado pelo Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Rio de Janeiro foi o estado que menos investiu no combate à criminalidade do país. Em 2008, R$ 4,9 bilhões foram utilizados para a segurança. Já em 2009, o valor diminuiu 25%. Já nos outros estados do Brasil, foi registrado um aumento médio de 15,43%, entre 2008 e 2009.

Os vendilhões no templo

Publicado por admin - Friday, 17 September 2010
RONILSON DE SOUZA LUIZ
Na condição de educador, vejo como preocupante a crescente divulgação de fatos que desapontam gravemente as novas gerações de estudantes.
Preocupa-me o legado que tem sido anunciado pelos que ocupam funções públicas de carreira e cargos eletivos. Em nosso meio, a cada dia diminuem os interessados em cuidar e zelar de forma inteiramente compromissada e com dedicação integral às nossas três grandes áreas de maior demanda, a saber: saúde, educação e segurança pública.
A meu ver, exatamente nessas três áreas devemos lutar bravamente para que elas não sejam majoritariamente preenchidas por vendilhões, pois prever, projetar e prevenir são os verbos ligados aos nossos desafios contemporâneos.
O perigo é que, se as boas ferramentas de comunicação forem tomadas por esses vendilhões, sofreremos por sua alta capacidade de produzir e reproduzir chagas de grande extensão, algumas de difícil cicatrização. O histórico e a vida pregressa de alguns candidatos assustam. Os bons frutos da Ficha Limpa ainda demoram.
As três áreas citadas são exatamente aquelas que exigem prognósticos qualificados, e tem nos assustado a frequência de diagnósticos, ou seja, estamos perdendo a capacidade de multiplicar os pães, de enxergar mais à frente.
Ouvimos, lemos e falamos apenas em diagnósticos, em cenários pouco animadores. Até as boas notícias têm sido acompanhadas de comentários sombrios.
Não há mais tempo para comemorações e rituais. Famílias não mais se reúnem. Aliás, as reuniões outrora sagradas perdem espaço para os engarrafamentos nos estacionamentos dos simulacros de pirâmides, nome que o escritor Frei Beto dá aos shoppings, que são templos de consumo de bens efêmeros, perecíveis e descartáveis.
Nada mais sintomático do que um telefone celular tocando dentro do templo. Imaginem o que deve ocorrer no Distrito Federal e nos outros três Estados que já contam mais telefones móveis que habitantes: São Paulo, Rio e Mato Grosso do Sul.
Nesse cenário, registra-se, fotografa-se, arquiva-se e depois, se o tempo permitir, veremos. Congelamos coisas, imagens e sons cuja destinação é única, imediata e finita.
Aprender a tocar um instrumento ou praticar um esporte profissional, tarefas que exigem disciplina e longos anos de treinamentos, deixam de ser cultivados pelos novos.
Tudo precisa ser rápido, chega-se ao absurdo de não mais apreciarmos e saborearmos as coisas, o que nos faz indagar sobre quem são os novos vendilhões. Sabemos que eles sempre existiram, porém agora estão extremamente ousados. Se formos todos tomados pela cegueira branca de que falava José Saramago, mais ainda os vendilhões se acomodarão no templo.
Não falo aqui de saudosismo barato. Refiro-me às amizades sinceras, aos compromissos irrenunciáveis e aos princípios e valores que unem um povo e fazem uma nação.
Temos que combater e expulsar todo e qualquer tipo de vendilhão. Todos que fazem parte das áreas mais candentes conhecem a realidade de que, se de todos é extraída a mais valia, contudo, dos policiais, dos médicos e dos professores ela tem sido extraída em grau mais elevado, ao menos nestes tristes trópicos.
Não queremos e não podemos aceitar indigência educacional, cânceres burocráticos na saúde ou medos e violências na segurança, áreas umbilicalmente ligadas.
Nosso alerta é para os vendilhões novos, e portanto cheios de energia e disposição, os quais se preparam para vender o que não pode ser vendido em 3 de outubro.
Se nós nos calarmos, sentiremos saudades de espaços como este, que permitem a atuação do livre-pensador. A vida moderna não se guia apenas por Rosseau – o bom selvagem –, mas não pode ser apenas por Hobbes – o homem como lobo. Quando secam os oásis utópicos, o resultado é um deserto de banalidades e perplexidade.
Sabemos, quase todos nós, que um elemento transcendente é indispensável na motivação da existência moral. Nesse cenário, é erro não fazer nada somente porque se pode fazer pouco.
Talvez essa possa ser uma boa meta para as eleições de 2010, ou seja, não permitir que novos vendilhões entrem no templo, e investir fortemente para que os que já entraram saiam um a um. O primeiro passo é compreender como se deu esse fenômeno.

Ronilson de Souza Luiz (profronilson@gmail.com) é bacharel em Letras pela USP, mestre e doutor em Educação pela PUC-SP, capitão da Polícia Militar de São Paulo e professor do Centro de Altos Estudos de Segurança.
Matéria Extraida do Jornal da USP- On Line, ano: XXVI n: 912

Relações públicas e capital humano

POLÍCIA & NOTÍCIA
Relações públicas e capital humano

Por Ronilson de Souza Luiz em 8/6/2010

Publicado originalmente no Hoje em Dia (Belo Horizonte), 15/5/2010
Apenas a sonoridade tão parecida das duas palavras – polícia e notícia – já é suficiente para notarmos as ligações perigosas que elas podem estabelecer. Nossas polícias, em todos os seus níveis, e a PM, em particular, têm investido fortemente em suas equipes de relações públicas, no capital humano que trabalha com comunicação.A PM diuturnamente mantém contato com a mídia, realiza comunicação com a comunidade, recebe comunicação do governo, além da publicidade institucional, que tem nas viaturas, solípedes, barcos e aeronaves a presença institucional sendo divulgada. Nesse sentido, por exemplo, o ganho na imagem pela padronização do grafismo em todas as viaturas é incalculável.
A PM também tem focado sua atenção no público interno, uma vez que circulam muitos boatos na área de segurança. Por boatos entenda-se informação relevante divulgada de forma imprecisa ou com dados insuficientes.
Por mais que intelectuais praguejem a programação e as pautas, nos dias que se correm, ainda privilegiam a polícia, a tragédia, o inusitado. De forma geral, as grandes instituições e empresas não cometem mais o erro básico de, em momentos de crise, cortarem exatamente a área que poderá/deverá reverter ao menos a sensação momentânea do episódio vivenciado.

Imediatismo e ânsia de atualizaçõesTemos seguido a "regra de ouro" para as situações de crise extremada, ou seja, aquelas que têm o evento morte como parte do resultado. Nestes momentos, a atitude fundamental não é esconder ou minimizar os fatos, mas acolher e saber lidar/ouvir os familiares das vítimas. São momentos em que a transparência e a forma proativa do setor envolvido são primordiais.
Há pelo menos duas décadas deixamos de nos preocupar com as relações de causa e efeito, e passamos a incrementar a aproximação viabilizada pelo simbólico da filosofia do policiamento comunitário. Os diversos tipos de desamparos, as múltiplas dependências, as violências são algumas das experiências com as quais se confrontam homens e mulheres em seu desenvolvimento individual e na vida social, o que não se pode esquecer é que para muitos para além de capas de noticiários são marcas em suas vidas.
O crescente discurso uniforme e as muitas repetições de pauta, além das trivialidades, geram a abolição das diferenças entre público e privado, o ser e o parecer, o consumidor e o cidadão, o fato real e o publicado na rede (www). Ainda estamos aprendendo a lidar com a ferramenta internet que dissolve toda hierarquia, respeito, sacralidade e expande o conceito de alteridade e transcendências, uma vez que reduz os tradicionais distanciamentos. De alguma maneira a rede mundial de computadores tem favorecido o narcisismo, alguns outros vícios e desvios de comportamento. Certamente o imediatismo e a ânsia de constantes atualizações têm gerado buscas incessantes por notícias – sem critérios e com senso ético diminuído.
A volta ao ponto de equilíbrioA horizontalidade e o imediatismo da rede comprometem os atributos do bom texto jornalístico, favorecendo o narcisismo e o autoengano.
É preciso, como escreve José Saramago nas Intermitências da morte, quando fala das posições ambíguas, perder o costume de encanar a perna a rã, dar uma no cravo e outra na ferradura, acreditando que este seja o papel da imprensa. No caso da polícia, informação de qualidade faz muito bem para a saúde, para a área educacional e, sobretudo, para os mais necessitados de serviços públicos. A via midiática necessita lentamente deixar de ser uma fonte de finos prazeres para refazer-se um precioso e insubstituível artefato de combate, visando a ampliar liberdades.
Sabe-se que a esperança para os que precisam ser noticiados é poder encontrar na escuta e no olhar sensível do profissional de imprensa a ressonância necessária para criar outros e novos caminhos para suas demandas, parte delas recorrentes. Enfim, as notícias jornalísticas precisam voltar ao seu ponto de equilíbrio, uma vez que têm pendido para um lado sombrio, o lado mais pesado, ou seja, o das paixões do momento.