27 de janeiro de 2011

O prisioneiro da grade de ferro


O prisioneiro da grade de ferro

Sábado, 17/07/2004 - 20:06

 Ronilson de Souza Luiz

Como ensina o escritor português José Saramago: para ver melhor as coisas há que se lhe dar a volta. Utilizo, nesta oportunidade, um título de filme como mote para as minhas reflexões. A razão desta escolha deixo, como lembra o professor Rubem Alves em suas palestras, quem sabe, no futuro, quando alguém se interesse por meus rabiscos e venha a dizer: "... aquele articulista, policial, educador ou o
que quer que seja quis dizer isso quando escreveu aquilo".

Sei que o mais importante nunca se conta. A história secreta se constrói com o não-dito, com o subentendido e a vaidosa alusão. Acredito que nossas escolhas ainda que inconscientes guardam sempre um paralelo com nossos desejos e inquietações mais imediatos, com as nossas provisórias certezas.

O mote que me atrevo a utilizar, hoje, é do premiado documentário de Paulo Sacramento, que tem a ver com a possibilidade que temos para repensar o que está presente e fazemos isso de várias formas.

Um bom filme tem o papel fundamental de muito mais que entreter, tentar reverter. Retratar o homem em sua intimidade, em seu dia-a-dia de preso faz com que cada um nós reflita sobre algo que não quer se calar, ou seja, vivemos a cada dia em uma sociedade de controle.

Esse registro cinematográfico me fará um dia lembrar, por exemplo, que a época assistíamos às mortes anunciadas no Zoológico de São Paulo, quando alguém usou a metáfora do pai explicando a seu filho que os “bichos” ficavam presos dentro da jaulas para protegê-los de nós humanos, ou a emblemática cena do traficante sendo carregado em um carrinho de mão utilizado na construção civil, e que foi capa de vários jornais.

Por conta da preciosidade do tempo, somos pressionados para irmos direto ao ponto ou para reduzirmos a uma cena todo um contexto histórico, o que faz com os textos mais ricos sejam aqueles que conseguem abarcar o todo de forma sintética.

Ao fazer um esforço de precisão intelectual, a meu ver, o aprendizado que obtemos do filme é quanto a marca humana por excelência: a lágrima nos olhos.

Sacramento quando registra o olhar desolado e, na seqüência, o vemos lacrimejando, é como se o preso dissesse ao mundo: errei, devo ser punido ou reeducado! E em seu, ou nosso oculto pensar surge a questão: mas é esta a forma?

Aquele olhar tem o peso da cena descrita em artigo de Contardo Calligaris, na Folha de S.Paulo, quando ele relembra o gesto de Rosa Parks, a costureira negra que, num dia de 1955, em Montgomery, Alabama, sentou-se nas fileiras do ônibus reservadas aos brancos e não quis mais se mexer.

Ela não pedia compensação por danos sofridos nem, a bem dizer, lutava por um futuro diferente. A repercussão de seu ato (que iniciou o movimento americano dos direitos civis liderado por Martin Luther king) deve-se, provavelmente, ao fato seguinte: Rosa Parks não cobrou créditos passados nem futuros, apenas revoltou-se, ou seja, autorizou-se a viver o presente que queria e que lhe parecia justo. Coma isso, transformou a sua vida e o mundo.

O filme de Sacramento pode não transformar o mundo mas traz novos ares a milhares de detentos.

O inesperado do filme surpreende-nos. O homem é alimentado por um gênio criativo que sempre nos surpreenderá. Tento ao interpretar fazer um trabalho similar ao de um historiador ou assim como o do arqueólogo, que deve procurar desvendar o passado da humanidade, reconstruir os seus eventos, fazer reviver a vida dos homens de outrora, reconstruir as sociedades já desaparecidas na voragem dos tempos.

A história, no sentido restrito e tradicional do termo, estuda e faz reviver o passado da humanidade baseando-se nos documentos escritos, enquanto a arqueologia se baseia, para alcançar o mesmo fim, em toda a espécie de vestígios materiais não-escritos, desde edifícios
gigantescos aos pólens microscópicos. Em ambos os casos, pois, se faz história no sentido amplo, completo e verídico do termo; como fez Paulo Sacramento e equipe, pois deram a volta e viram melhor.

Fecho com o mesmo Rubem Alves, que aquela sentença inicial completa: ... o autor não quis dizer -- ele disse. Aguardo seu e mail.

* Ronilson de Souza Luiz é Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Mestre e Doutorando em Educação na PUC/SP, Bacharel e Licenciado em Letras pela USP e Instrutor no Centro de Formação de Soldados.


 material extraído do jornal on line:
http://www.jornaldamidia.com.br/noticias/2004/07/Opiniao/17-O_prisioneiro_da_grade_de_ferr.shtml

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