26 de janeiro de 2011

Os vendilhões no templo

Publicado por admin - Friday, 17 September 2010
RONILSON DE SOUZA LUIZ
Na condição de educador, vejo como preocupante a crescente divulgação de fatos que desapontam gravemente as novas gerações de estudantes.
Preocupa-me o legado que tem sido anunciado pelos que ocupam funções públicas de carreira e cargos eletivos. Em nosso meio, a cada dia diminuem os interessados em cuidar e zelar de forma inteiramente compromissada e com dedicação integral às nossas três grandes áreas de maior demanda, a saber: saúde, educação e segurança pública.
A meu ver, exatamente nessas três áreas devemos lutar bravamente para que elas não sejam majoritariamente preenchidas por vendilhões, pois prever, projetar e prevenir são os verbos ligados aos nossos desafios contemporâneos.
O perigo é que, se as boas ferramentas de comunicação forem tomadas por esses vendilhões, sofreremos por sua alta capacidade de produzir e reproduzir chagas de grande extensão, algumas de difícil cicatrização. O histórico e a vida pregressa de alguns candidatos assustam. Os bons frutos da Ficha Limpa ainda demoram.
As três áreas citadas são exatamente aquelas que exigem prognósticos qualificados, e tem nos assustado a frequência de diagnósticos, ou seja, estamos perdendo a capacidade de multiplicar os pães, de enxergar mais à frente.
Ouvimos, lemos e falamos apenas em diagnósticos, em cenários pouco animadores. Até as boas notícias têm sido acompanhadas de comentários sombrios.
Não há mais tempo para comemorações e rituais. Famílias não mais se reúnem. Aliás, as reuniões outrora sagradas perdem espaço para os engarrafamentos nos estacionamentos dos simulacros de pirâmides, nome que o escritor Frei Beto dá aos shoppings, que são templos de consumo de bens efêmeros, perecíveis e descartáveis.
Nada mais sintomático do que um telefone celular tocando dentro do templo. Imaginem o que deve ocorrer no Distrito Federal e nos outros três Estados que já contam mais telefones móveis que habitantes: São Paulo, Rio e Mato Grosso do Sul.
Nesse cenário, registra-se, fotografa-se, arquiva-se e depois, se o tempo permitir, veremos. Congelamos coisas, imagens e sons cuja destinação é única, imediata e finita.
Aprender a tocar um instrumento ou praticar um esporte profissional, tarefas que exigem disciplina e longos anos de treinamentos, deixam de ser cultivados pelos novos.
Tudo precisa ser rápido, chega-se ao absurdo de não mais apreciarmos e saborearmos as coisas, o que nos faz indagar sobre quem são os novos vendilhões. Sabemos que eles sempre existiram, porém agora estão extremamente ousados. Se formos todos tomados pela cegueira branca de que falava José Saramago, mais ainda os vendilhões se acomodarão no templo.
Não falo aqui de saudosismo barato. Refiro-me às amizades sinceras, aos compromissos irrenunciáveis e aos princípios e valores que unem um povo e fazem uma nação.
Temos que combater e expulsar todo e qualquer tipo de vendilhão. Todos que fazem parte das áreas mais candentes conhecem a realidade de que, se de todos é extraída a mais valia, contudo, dos policiais, dos médicos e dos professores ela tem sido extraída em grau mais elevado, ao menos nestes tristes trópicos.
Não queremos e não podemos aceitar indigência educacional, cânceres burocráticos na saúde ou medos e violências na segurança, áreas umbilicalmente ligadas.
Nosso alerta é para os vendilhões novos, e portanto cheios de energia e disposição, os quais se preparam para vender o que não pode ser vendido em 3 de outubro.
Se nós nos calarmos, sentiremos saudades de espaços como este, que permitem a atuação do livre-pensador. A vida moderna não se guia apenas por Rosseau – o bom selvagem –, mas não pode ser apenas por Hobbes – o homem como lobo. Quando secam os oásis utópicos, o resultado é um deserto de banalidades e perplexidade.
Sabemos, quase todos nós, que um elemento transcendente é indispensável na motivação da existência moral. Nesse cenário, é erro não fazer nada somente porque se pode fazer pouco.
Talvez essa possa ser uma boa meta para as eleições de 2010, ou seja, não permitir que novos vendilhões entrem no templo, e investir fortemente para que os que já entraram saiam um a um. O primeiro passo é compreender como se deu esse fenômeno.

Ronilson de Souza Luiz (profronilson@gmail.com) é bacharel em Letras pela USP, mestre e doutor em Educação pela PUC-SP, capitão da Polícia Militar de São Paulo e professor do Centro de Altos Estudos de Segurança.
Matéria Extraida do Jornal da USP- On Line, ano: XXVI n: 912

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