4 de fevereiro de 2011

Polícia: anticorpo ou corpo estranho?

Polícia: anticorpo ou corpo estranho?

Imaginemos a sociedade como um organismo vivo; vamos procurar seu coração, seus olhos, sua cabeça e suas mãos. A critério de cada investigador, ele nominará o que, a seu ver, representará as partes citadas. Quando pensarmos no mecanismo de defesa desse organismo, teremos várias opções, porém a referência mais sensata irá representá-lo por um órgão que exerce funções semelhantes às da polícia.
Utilizo-me dessa analogia para mostrar que um organismo vivo e inteligente cuida de proteger aquela parte que irá preservá-lo quando for necessário. É este entendimento que tem conduzido meus trabalhos e esforços nos últimos anos, lembrando que terei mais 17 anos pela frente.
Quanto mais visível e latente um fato atualmente em uma sociedade global, dinâmica, on-line, maior dificuldade tem-se para demonstração. Recordo-me de uma aula na PUC-SP, que reunia mestrandos e doutorandos, na qual o professor fez a seguinte constatação: "Hoje, todo mundo tem razão".
O alcance último da frase era alertar-nos para o fato de que, neste início de século 21, todo mundo fala a respeito de quase tudo, todo mundo escreve a respeito de quase tudo e todo mundo acredita ter parcela significativa de razão.
O prudente professor destacou que o nosso exercício deve ser saber quais os fundamentos éticos que originaram cada fala, ação, texto ou discurso. Somente conhecendo as fontes que nortearam essas ações teremos indícios para saber o que prevalecerá e o que desaparecerá com mais velocidade do que foi enunciado. Creio que isso valha para os que viam a polícia como corpo estranho.
A questão da segurança pública - que não é apenas uma atividade governamental - é, sobretudo, responsabilidade de todos; deve funcionar como anticorpo, antivírus seguro.
Estamos vivendo momentos de intensos discursos e de calorosos debates a fim de que se descubra quem tem razão - ou melhor, razão todos têm, queremos saber quem tem mais. Enquanto não se chega a um consenso, o organismo vivo e complexo que é a sociedade vai sofrendo das mais terríveis doenças, chagas, calafrios, tumores.
Como servidores do organismo, temos o dever de alertar o sistema de que os quatro principais fatores de risco para desenvolver comportamentos violentos em jovens, que posteriormente contaminarão todo o grupo, são os seguintes: foram abusados ou negligenciados na primeira infância, atravessaram a puberdade sem disciplina nem valores morais altruísticos, conviveram com pares violentos e freqüentaram escolas precárias.
Cabe a nós, membros do setor que deveria ficar estrategicamente protegido para atuar com prontidão e de forma preventiva, ou seja, fruto de prognóstico, e não de diagnóstico, dar o alarme em todo o sistema.
Urge alertamos o coração, a cabeça, os olhos e as mãos de que, se os anticorpos, os mecanismos de defesa, não estiverem funcionando, com auto-estima elevada, com vencimentos compatíveis, com treinamento constante e com reconhecimento social, enfim, com excelência, o enorme organismo corre perigo.
Michelangelo dizia que cada bloco de mármore bruto esconde uma figura esculpida, pronta para ser liberada com um pouco de trabalho e talento.
Acredito não ser necessário enunciar as consequências maléficas de tratar o aparelho policial como corpo estranho. Perguntemos apenas quem ganha e quem perde com uma polícia que não preste relevantes serviços.
Digo aos meus alunos, no Centro de Formação de Soldados da Polícia Militar, que a boa madeira não cresce com o sossego; quanto mais forte o vento, mais forte devem ser as árvores, mais profundas devem ser suas raízes.
Esta é a função dos que mais têm razão: descobrir, nos blocos amorfos, aqueles que melhor podem proteger o sistema. Convido todos a propalarem essa distinção para que possamos construir, depurar, fazer melhor e nos superarmos buscando o sonhado pela poeta Roserger. "Antes que a luz se apague/ Antes que o Sol se ponha/ Haverá alguém de estar,/ Haverá alguém de ficar, para que os outros venham,/ Para que os outros fiquem."

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